14 de fev. de 2012

A maturidade e o vôo dos gansos

* “Revoada de gansos” - Foto de Lee Ping

"REVOADA – no sentido figurado, significa ensejo, oportunidade”.
“GANSO - Na Grécia antiga representava um aspecto especial da Mãe-Natureza ou a deusa da natureza, Nemesis.
Era ainda considerado como sendo um mensageiro do mundo espiritual”.

            Li, na estória de Rubem Alves – “A montanha encantada dos gansos selvagens” - que há dois tipos de gansos: os domésticos e os selvagens. E, o que os difere é que “gansos domésticos têm medo de voar, não gostam das alturas, preferem ficar fechados em cercadinhos de tela, desde que seus donos lhes dêem milho e verdura picada”. Já, os gansos selvagens, por sua vez, “não sabem o que é ser bicho de um dono. São livres. Voam muito alto. Viajam para lugares desconhecidos, distantes ainda que seja perigoso... São mais magros: devem ser livres para poder voar. E seus olhos são diferentes. É que eles viram estrelas e pores-do-sol que os gansos domésticos não podem ver”.

            Como os gansos selvagens, também almejamos essa liberdade para vivermos uma vida plena onde as nossas ‘estrelas’ irradiem as cores mais belas dos ‘pores-do-sol’.

Mas, nem sempre nos comportamos como poderíamos, apesar do nosso livre-arbítrio, para alcançar essa realidade.           
            Pois, em quantas situações do nosso dia-a-dia, ainda nos comportamos como gansos domésticos, ‘fechados em nosso cercadinho de tela’, aceitando ser alimentados pela mente que não cala, a mente que mente, buscando justificar o uso dos hábitos ultrapassados que nos fazem re-escrever sempre a mesma estória, quer seja por força do hábito, por distração ou por medo de enxergar novos e melhores caminhos? Sim, melhores caminhos que nos conduzam à liberdade, onde a oportunidade de escolha está sempre disponível.

           
            Assim, retomando a estória de Rubem Alves, os gansos selvagens almejam chegar às Montanhas Mágicas, “onde não há calor nem frio demais... onde a primavera dura pra sempre... onde até os velhos e aleijados voltam a ter os corpos de outrora, perfeitos, fortes, belos...”

            E, para alcançarem essa liberdade de ser, os gansos selvagens devem ser ‘ magros’. Afinal, para voar alto é preciso ser leve. Faz sentido.

 Então, “para se chegar até as montanhas mágicas’ ou seja, à porção mais elevada de nosso ser, onde tudo se transforma como magia quando os pensamentos qualificados dão a tônica da perfeita e verdadeira criação ‘o corpo tem de ficar leve, muito leve... é preciso ser como uma libélula... um floco de paina... um papagaio, flutuando ao vento...”

            Mas, “somos pesados demais. Sabem, por quê? É que temos medo de tanta coisa. É o medo que nos faz pesados. E porque somos pesados ficamos com as caras tristes, cansadas... quem tem cara triste não pode voar...”

            E, esse medo que nos torna sérios e às vezes até sisudos - apagando o sorriso da face e o bom-humor saudável, ambos frutos da leveza - é muito sutil e esconde-se, muitas vezes em forma de tristeza, apatia, desânimo; pode se revelar também como ironia, indignação, inconformismo, impaciência e irritação, podendo chegar à fúria desgovernada.

            Mas, quando reconhecemos a ‘existência’ desses medos, que na realidade são resultados da nossa própria cegueira diante do conhecimento mais completo de nós mesmos (por isso, chamamos de medos infundados ou ilusórios) – e entendemos a sua função em nossas vidas ordinárias, a estória vai tomando um novo sentido. Vamos saindo da condição de gansos domésticos a gansos ‘selvagens’. Selvagens no sentido de liberdade que o adjetivo contém.

            Então, nos tornamos mais equilibrados e pacíficos, uma vez que entendemos essa função de alerta que o medo desperta, para agora, com discernimento, encontrarmos o caminho mais elevado que nos levará ao alto das ‘montanhas mágicas’.

            Nos abrimos a novas descobertas, e a cada descoberta nos tornamos mais leves.

            Entendemos que o medo nem sempre se revela apenas diante dos desafios diários nos enfrentamentos de nossos aspectos mais humanos, mas também diante da possibilidade do contato com o nosso aspecto mais elevado – o espiritual - que nos nutre de vitalidade.

            Entendemos também que, quando divididos entre essa dualidade, podemos resistir ao contato com a nossa fonte provedora de energia – o nosso lado espiritual que é pura harmonia, e escolher o corre-corre da vida que não permite, sequer, uma pausa para esse encontro consigo. Assim, além de voar na velocidade que a vida determina, ainda voamos sem abastecimento!  E, então, ficamos esgotados, muitas vezes exauridos. 

            Porém, nessa nova condição de entendimento, podemos entrar em contato transparente com os medos e reconhecê-los como limitadores no caminho.
Podemos, também olhar os erros como oportunidades de recomeços e não mais como um fim em si mesmo.
E esses dois aspectos passam a atuar como um passaporte para alcançar a liberdade que se constrói com a chegada dessa maturidade, chamada Aceitação.

            Aceitação não apenas das tarefas mais árduas diante de nossos medos mundanos, mas principalmente, aceitação da nossa porção mais bela e iluminada – que configuram os ‘novos e melhores caminhos’ citados acima.

E, essa maturidade que surge, amplia a nossa autonomia para alçarmos vôos mais elevados, tais quais o vôo dos gansos, “que vão ficando mais leves, cada vez mais leves... até que chega o dia do grande vôo...”.
           
            O dia do grande vôo é a plenitude! A integração de propósito e realização.

            O convite para a reflexão dessa semana é para que, tenhamos todos, a aceitação madura para que o nosso grande vôo se concretize na face da Terra, onde possamos realizar a ‘concretude do espírito’ com ‘leveza na materialidade’.

“O significado literal está no dicionário, na linguagem, na gramática, mas o significado experimental e existencial está em você”.
(Tao – Sua História e Seus Ensinamentos – OSHO)

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