Foto de Eliza Carneiro
Lendo o artigo semanal de minha amiga Carla Mago trazendo
poesia e harmonia à arquitetura e design de ambientes -
www.carlamago.com.br/blog - me inspirei a escrever esse artigo e me dei
conta de como mudei o modo de minhas leituras nos últimos tempos, apesar da resistência em 'digerir'
mudanças com naturalidade.
Ler, para além do significado
das palavras e dos fatos ou conceitos relatados, torna a leitura muito mais
lenta do que antes, quando a sede do saber ainda era instintiva forma de
sobrevivência - a fome de conhecimento e informação - que o passar das
experiências do tempo trata de curar.
Às vezes, me esqueço que o 'rio
corre sozinho' e, quando me lembro, uma única palavra numa leitura toma nova
dimensão, onde o saber é revelado pelo contato, pelo sentir que confere um
entendimento profundo pela experimentação 'sem pressa' a que denomino 'leitura
vivencial'.
O hábito da leitura vivencial é
uma forma que encontrei de 'digerir' as palavras, degustando-as sem pressa, com
mais profundidade, saindo do padrão da superficialidade, onde as palavras transcendem seus significados e sua essência
nos toca, nos nutre profundamente, nos convidando a sair do mundo das ideias
para o mundo da vivência.
Pois, o hábito do 'fast food' da
vida permeou nossas atividades diárias de tal forma que hoje somos
especialistas em ler ao mesmo tempo inúmeros e-mails, textos e mensagens numa
velocidade espantosa, ainda como resquício dos devoradores sobreviventes de um
sistema que, aos poucos têm perdido o sentido - o Sentido de apreciar a vida e
vivê-la em sua grandeza e profundidade.
Nesse nível de superficialidade
refletida no 'fast food' que se estende às demais atividades da vida, vamos
perdendo o tato, o contato com a vida - a nossa vida.
Tantos são os projetos, tantas
são as informações, tamanha é a fome de realização que sabemos de tudo um pouco
ou muito de tudo e conhecemos quase nada de nós mesmos.
Acabo de ler uma frase num livro
que diz: "Troque o 'mas' por 'e'. Leia, entenda; não é nada. Faça-o
algumas vezes, e então torna-se parte de si. Faça-o o tempo todo, como uma
regra, e volta a ser nada. Use o que está à mão".
Então retrocedo: muitos de nós,
ainda tem uma grande resistência à mudança de padrões que acabam dificultando
uma vida mais fluida, fluente, onde ao longo do tempo aprendemos a construir
barreiras que impedem o curso natural do rio: 'mas' não tenho tempo, 'mas' não
tenho dinheiro, 'mas' não tive oportunidade na vida, 'mas' já é tarde demais,
'mas' ainda não é a hora, 'mas' preciso realizar algo significativo, 'mas' o
que os outros vão pensar, 'mas'... e por aí vai.
O hábito do 'mas' ficou
arraigado como erva daninha e para transcendê-lo é preciso a constância da
prática do 'e' somado ao 'Orai e vigiai', pois hábitos construídos por toda uma
vida ou vidas têm suas artimanhas para persistirem disfarçadas em sutilezas
muito criativas.
Então, 'usar o que temos em
mãos', sem esperar circunstâncias favoráveis é um feliz convite para
transcendermos o 'mas' que protela e nos mantém sempre no mesmo patamar,
contido na ilusória forma do 'fast'.
'E, se o fizermos algumas vezes,
ele se tornará parte de nós. E, se o fizermos o tempo todo, ele voltará a ser
nada'. E o rio seguirá seu curso sem pressa de chegar, pois está sempre onde
deve estar.
E, então transcendemos a leitura
das palavras para a leitura das imagens contidas no cotidiano despercebido e,
passamos a ler com mais profundidade, a própria vida.
Onde, "Ler é transcender
para além das palavras e conceitos e se permitir ser tocado pelo chamado da
alma".